17/04/2024

Carf impede aplicação de duas multas por falta de pagamento de IRPJ e CSLL

Por: Adriana Aguiar
Fonte: Valor Econômico
A 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (Carf) alterou novamente seu entendimento e manteve, em recente
decisão, apenas uma das duas multas normalmente aplicadas pela Receita
Federal contra empresas por falta de pagamento de Imposto de Renda (IRPJ)
e CSLL. A decisão, por maioria de votos, trouxe esperança de que a última
instância do órgão volte a adotar - e consolide - posicionamento favorável aos
contribuintes.
A Receita Federal aplica a dupla penalidade com base na Lei nº 11.488, de 2007.
A norma permite a cobrança da multa isolada sobre estimativas mensais não
recolhidas e da multa de ofício por falta de pagamento do IRPJ e da CSLL
apurados no ajuste anual. Há, porém, uma súmula do Carf, de nº 105, posterior
à lei, que estabelece que, nessa situação, vale apenas a multa de ofício.
Os contribuintes alegam que não se pode aplicar duas penalidades para o
mesmo fato gerador. Apesar da empresa recolher os impostos por estimativa,
argumentam, o fato gerador do IRPJ e da CSLL é o dia 31 de dezembro de cada
ano. Para eles, se a Receita aplica a pena maior para a infração maior, essa é que
deve prevalecer - a multa de ofício, de 75%.
A diferença de entendimentos traz um impacto financeiro enorme. Somadas, as
multas geram acréscimo de 125% sobre o valor devido - além dos 75% da multa
de ofício, 50% da multa isolada.
A decisão recente da 1ª Turma da Câmara Superior beneficia uma empresa do
setor de energia. O relator, conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli,
representante do contribuinte, destaca, em seu voto, que “não se pode perder
de vista que as estimativas são meras antecipações do tributo devido, não
figurando, portanto, como tributos autônomos”.
De acordo com ele, não se nega que o não recolhimento das estimativas e o não
recolhimento dos tributos efetivamente devidos são infrações distintas, como
foi reconhecido pela Lei nº 11.488/2007. “Todavia, e este é o ponto central
para a discussão, quando ambas as obrigações não foram cumpridas pelo
contribuinte, o princípio da absorção ou consunção impõe que a infração pelo
inadimplemento do tributo devido prevaleça, afinal o dever de antecipar o
pagamento por meio de estimativas configura etapa preparatória para o dever
de recolher o tributo efetivamente devido, este sim o bem jurídico tutelado pela
norma.”
Assim, o conselheiro conclui que a alteração legislativa mencionada não possui
qualquer efeito sobre a aplicação da Súmula nº 105 para fatos geradores
posteriores a 2007. “Admitir o contrário permitiria punir o contribuinte em
duplicidade, em clara afronta aos princípios da consunção, estrita legalidade e
proporcionalidade” (processo nº nº 10510.724763/2011-12).
Ele cita, em seu voto, julgamentos no mesmo sentido do STJ (REsp 1496354 e
REsp 1567289) e da 1ª Turma da Câmara Superior, de setembro de 2020, com
aplicação do voto de desempate favorável ao contribuinte (artigo 19-E da Lei n
º 10.522/2002). Ele foi acompanhado pela maioria dos conselheiros.
Daniel Lamarca, do BMA Advogados, que assessora a empresa de energia,
explica que colaborou para a decisão a reversão do entendimento do
conselheiro Guilherme Mendes, representante da Fazenda, que passou a votar
a favor do contribuinte. Assim, conselheiros entenderam que a Súmula 105
poderia ser aplicada para casos posteriores a 2007. “O que prevaleceu na
Câmara Superior é que deve apenas prevalecer a multa pelo aditamento do
tributo”, diz.
A decisão representa uma nova guinada no posicionamento da 1ª Turma da
Câmara Superior. Em 2023, no julgamento de um caso de uma empresa do
setor de construção, ficou decidido, por maioria, que poderiam ser aplicadas as
duas multas concomitantemente.
Em seu voto, o conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado, representante da
Fazenda, afirma que “inexiste qualquer conflito legal para aplicação da multa de
ofício pela falta de recolhimento do tributo em conjunto com a multa isolada
pela falta de recolhimento de estimativas.”
De acordo com o conselheiro, a Lei nº 11.488/2007 “prevê expressamente
aplicação da penalidade isolada no caso do descumprimento da obrigação de
recolher o tributo estimado mensalmente, mesmo se apurado prejuízo ao final
do exercício. Entendeu o legislador que tal infração (falta de recolhimento da
estimativa) não deve ser ignorada.”
Antes de 2023, contudo, havia entendimento consolidado na 1ª Turma contra
a aplicação das duas multas. Além do impacto financeiro, essa oscilação,
segundo especialistas, traz insegurança para as empresas, que algumas vezes
ganham a discussão e outras não, mesmo tendo seus casos julgados no mesmo
colegiado.
Caio Quintella, ex-conselheiro da Câmara Superior e sócio da Nader Quintella
Advogados, afirma que diversos fatores que explicam essa oscilação. Um deles,
é que o conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, representante da
Fazenda, tem uma tese diferente sobre o tema e, por isso, vota algumas vezes a
favor da Fazenda e em outras vezes a favor do contribuinte.
Para o julgador, a base de cálculo final do IRPJ e CSLL em 31 de dezembro
representaria um limite. Nos casos em que esse limite foi respeitado nas
estimativas mensais, ele vota a favor dos contribuintes. Caso contrário, vota
com a Fazenda.
Além disso, diz Quintella, houve a saída do conselheiro Gustavo Fonseca, que
era representante dos contribuintes, mas nessa discussão votava com a Fazenda
e não aplicava a Súmula nº 105.
Ainda houve mudança na aplicação dos critérios de desempate no Carf, que
também podem influenciar no resultado final. Antes o empate era favorável ao
contribuinte. Agora, com a Lei nº 14.689/2023, é a favor da Fazenda. Contudo,
nesses casos caem automaticamente a aplicação das multas.
Para Quintella, decisões divergentes fazem parte de um cenário natural e
esperado de uma Corte administrativa, “onde existe tanta rotatividade e
discricionariedade da presidência em relação aos membros da Câmara
Superior”. Contudo, diz, “o saldo ainda é positivo, pois os julgamentos são
muito tecnicos”.